Bruno Lucchi – Superintendente Técnico da CNA

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Bruno Lucchi, superintendente Técnico da CNA. Foto: Arquivo CNA

Bruno Lucchi é capixaba do município de Pinheiros, no extremo norte do Espírito Santo. Possui graduação em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), especialização em Produção de Ruminantes pela Escola Superior Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e mestrado em Agronegócio pela Universidade de Brasília (UnB). Atuou como consultor técnico na Central de Processamento de Dados do Projeto Educampo Leite em Minas Gerais e como assessor técnico da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA. Agora, é superintendente Técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), cargo que exerce há quase cinco anos. Sua principal função é representar e amparar legalmente os interesses da classe dos produtores rurais junto a sociedade civil e aos poderes executivo, legislativo e judiciário. Ele afirma que o principal projeto da atual gestão tem o intuito de fortalecer a classe média rural através de suporte de assistência técnica e gerencial, tratando a propriedade como uma empresa rural, com plano de negócio, metas técnicas e econômicas. Bruno Lucchi é o nosso entrevistado desta edição. Leia!

Procampo – Qual a importância da CNA para os produtores rurais?
Bruno Lucchi – A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) juntamente com as Federações de Agricultura e os Sindicatos Rurais são os representantes legais dos produtores rurais junto a sociedade civil e aos poderes executivo, legislativo e judiciário. A entidade atua defendendo os direitos e interesses dos produtores rurais na esfera nacional e internacional. Buscando a organização e fortalecimento da classe, bem como o desenvolvimento social e econômico.
Brasília é o centro das decisões políticas do país, e a CNA se faz presente na capital atuando nas principais decisões que afetam os produtores rurais. Atualmente, só a área técnica participa de mais de 200 comitês, câmaras, fóruns ou grupos de trabalho que discutem temas que impactam diretamente a agropecuária brasileira. Além disso, monitora no congresso nacional mais de 2.500 projetos de lei que afetam os produtores rurais brasileiros. No que diz respeito ao Supremo Tribunal Federal, a CNA mantém um rol de aproximadamente 150 processos, sendo que em alguns é autora, em outros atua como amicus curiae e, em outros, embora não seja parte, realiza o seu acompanhamento por tratarem de temas que podem vir a afetar, de alguma forma, os produtores rurais, e por isso esses processos ficam em nosso radar, para nossa pronta atuação nos autos, se for necessário. O trabalho da CNA impede que muitas normas que seriam prejudiciais ao setor de produção primária sejam aprovadas. Costumo dizer que é um constante trabalho de bombeiro, apagando os focos de incêndios no início, antes que se perca o controle.
A CNA também atua como protagonista de uma agenda propositiva para o setor rural, discutindo temas que estão depois da porteira e que afetam diretamente a competitividade do produtor rural. Como exemplo, a modernização da política agrícola brasileira, a abertura de novos mercados internacionais, a inovação tecnológica para o setor e as reformas que impactam diretamente o produtor rural, como a tributária. Tudo isso, sem deixar de atuar em uma agenda que já deveria ter sido resolvida, como os gargalos existentes na infraestrutura e logística, os problemas fundiários, a criminalidade no campo, o endividamento de algumas regiões e a insegurança jurídica causada por normas subjetivas ou má fé da fiscalização.
Todos esses temas, são pautados pelas nossas comissões nacionais, as quais são a porta de entrada das demandas dos produtores rurais na CNA. Através delas são construídas as propostas de atuação do Sistema, bem como discutidas as políticas públicas que visam o desenvolvimento do setor. Atualmente, temos 19 comissões que tratam desde temas transversais como meio ambiente, política agrícola, questões fundiárias, infraestrutura e logística a assuntos específicos relacionados as cadeias produtivas da agricultura e da pecuária. Os membros das comissões são as associações de produtores de porte nacional e as Federações de Agricultura estaduais de todo Brasil, que indicam produtores, lideranças locais, para os representarem. Nos últimos anos, implementamos o sistema de videoconferência para facilitar a participação dos produtores de todo Brasil, com isso melhoramos a participação dos estados mais distantes e melhoramos o nível das discussões, dando mais legitimidade as ações da CNA.

Procampo – Quais as ações e projetos da CNA que destacaria como mais importantes para a agropecuária brasileira?
Bruno Lucchi – O principal projeto da atual gestão da CNA é ampliar e fortalecer a classe média rural. De acordo com os dados do Censo Agropecuário de 2006, 5,8% dos produtores detêm 78,8% do Valor Bruto de Produção (VBP) agropecuário, estes, são enquadrados nas classes A/B. A classe C, também chamada de classe média rural, corresponde a quase 800 mil produtores, basicamente 15% dos produtores brasileiros e respondem por 13,6% do VBP. Já a classe D/E, representam 70% dos produtores, ou seja, mais de 3,6 mil produtores e respondem por apenas 7,6% do VBP, o que demonstra grande desequilíbrio entre as classes produtoras.
O Sistema CNA, através do Senar, atende mais de 90 mil produtores na metodologia de Assistência Técnica e Gerencial. Nesse trabalho, a propriedade é trabalhada como empresa rural, com plano de negócio, pactuação de metas técnicas e econômicas e técnico especializado na atividade agropecuária, que atende em média 20 produtores de forma continua, mensalmente. A meta da atual diretoria é atender 400 produtores pela Assistência Técnica e Gerencial do Senar até o final de sua gestão.
Além do processo de melhoria do gerenciamento da propriedade, trabalhamos por políticas públicas que promovam ganhos de competitividade ao produtor rural brasileiro. Temos buscado formas de mitigar os riscos das atividades agropecuárias através do aperfeiçoamento do seguro rural e de demais instrumentos de gestão de riscos. Buscamos também, diversificar as fontes de financiamento do setor. Pois, entendemos que incorporação de tecnologia é fundamental para qualquer tipo de sistema produtivo.
No que se refere a melhoria da renda, cito dois projetos que se soma ao da classe média rural.
Um deles busca posicionar o setor de lácteos como grande exportador no Brasil. É preciso organizar a cadeia produtiva e reduzir os entraves que minam nossa competitividade, um grande desafio. Um segundo projeto é o Programa Alimentos Artesanais e Tradicionais, que busca estruturar as agroindústrias de alimentos produzidos principalmente por pequenos e médios produtores, propiciando a valorização dos produtos e a melhoria da renda no campo.
Em resumo, atuamos dentro e fora da porteira para que o produtor possa viver dignamente da sua atividade.

Procampo – O que esperar com relação ao futuro do agronegócio no Brasil?
Bruno Lucchi – O Agro do futuro começa hoje.
Por um lado estamos diante de um cenário de crescimento populacional, aumento da perspectiva de vida, menor disponibilidade de terra, concentração de mercado e maior interferência das preferências dos consumidores na aquisição de alimentos.
Isso demonstra os inúmeros desafios que o Agro enfrentará. Por outro lado, a inovação e tecnologia demonstram que vieram para ficar e para ajudar na gestão de recursos, na melhoria da qualidade dos produtos, na transparência, na educação e comunicação.
Tornar o Brasil um dos maiores produtores de alimentos do mundo, com sustentabilidade e competitividade exigirá uma nova revolução tecnológica no campo. Revolução essa baseada em tecnologias da informação, da nanotecnologia, da biotecnologia, da internet das coisas e da inteligência artificial.
O grande desafio é tornar essas tecnologias acessíveis ao produtor rural e fazer com que ele as incorpore em suas atividades. A presença de jovens no Agro tende a contribuir para superar esse desafio.

Procampo – É importante que os produtores estejam unidos e tenham uma classe representativa por meio dos seus sindicatos rurais?
Bruno Lucchi – É nítido como a organização do setor interfere no resultado de uma ação. Presencio diariamente, agentes públicos ou parlamentares usarem a desorganização do setor para não atender suas demandas. As lideranças do setor devem fazer um trabalho forte de articulação e congregação dos produtores, visando o bem comum da classe.
A união via sistema sindical é fundamental para que as demandas dos produtores rurais ganhem voz.
O sindicato rural detém legitimidade para fazer a representação da classe produtora em nível municipal e é a porta de entrada das questões referentes ao campo. A atuação do sindicato é complementada, no Sistema CNA, pelo trabalho das Federações de Agricultura e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, garantindo o ganho em escala e possibilitando a defesa do homem do campo nos âmbitos estadual e federal.
O Sindicato Rural tem um papel essencial em trazer o produtor para o Sistema, captar seus anseios e necessidades contribuir com as soluções no âmbito estadual via sua Federação e nacional através da CNA.
Costumo fazer uma analogia do Sistema Sindical Rural com a Lei do Mínimo, também conhecida como Lei de Liebig, que é um princípio utilizado principalmente na agricultura que estabelece que a produtividade de uma planta será limitada pelo nutriente que estiver em menor disponibilidade, mesmo que todos os demais estejam presentes em quantidades adequadas.
Usando o mesmo princípio para o Sistema Sindical Rural, quero dizer que o Sistema CNA será forte se o nível de conhecimento das demandas dos produtores e das ações que são trabalhadas pelo Sistema forem os mesmos em todas as instâncias.
Ou seja, para que o sistema de representação cumpra seu papel, os produtores rurais, os Sindicatos Rurais, as Federações de Agricultura e a Confederação precisam integrar e alinhar suas ações, projetos e pessoas.

Procampo – A situação do crédito agropecuário no Brasil é dramática. Não há mais crédito para se tomar e as renegociações com as instituições financeiras não se desenvolvem por estarem aquém da realidade do produtor rural. O que a CNA tem feito para alterar este panorama não somente para as renegociações, mas para mudar este modelo de crédito agropecuário que já se demonstra ultrapassado?
Bruno Lucchi – A CNA negociou com o Governo Federal e com as instituições financeiras para que fossem criados mecanismos de alongamento, renegociação e liquidação de dívidas sendo protagonista na criação da Lei 13.340/16. Mais de 1,5 milhão de produtores nas regiões Nordeste, Norte, MG e ES foram beneficiados por essa lei e no Brasil, no caso da DAU (Dívida Ativa da União), outros 200 mil produtores. Como o prazo de inscrição terminou no final de Dezembro de 2018, a CNA está pleiteando a ampliação do prazo de inscrição para até 31/12/2019 no caso de produtores inscritos na DAU.
Em relação ao modelo de crédito agropecuário, a CNA tem observado que o volume de recursos anunciado pelo Governo Federal para cada safra é sempre superior ao que de fato as instituições financeiras têm disponibilizado aos produtores rurais. Segundo os dados de acompanhamento das contratações de crédito rural do Banco Central, entre 2013 e 2018, mais de 960 mil contratados de crédito rural deixaram de ser formalizados entre produtores rurais e instituições financeiras, o que reflete, do lado da oferta de crédito, a maior seletividade das instituições financeiras, a concentração de mercado dos ofertantes de crédito rural, e a redução da exigibilidade do percentual de aplicação sobre depósitos à vista e a poupança rural. Nessa safra, em especial, a contratação de crédito para a finalidade de investimento aumentou significativamente nos primeiros seis meses da safra em relação ao mesmo período da safra passada, esgotando o crédito de programas estratégicos para o setor antes de findar o valor que foi anunciado no Plano Safra.
Temos defendido ajustes de curto prazo, como o aumento do percentual de exigibilidades sobre as fontes de recursos do crédito rural. Porém, também estamos trabalhando em propostas mais estruturantes, de médio e longo prazo, que viabilizem a continuidade do crescimento da agropecuária brasileira, com foco em garantia de renda ao produtor. Entre as ações desenvolvidas pela CNA, destaca-se: a apresentação do potencial de investimentos a investidores que hoje pouco conhecem da agropecuária brasileira, como fundos de previdência complementar e fundos internacionais; ajustes de marco regulatório para aumentar a concorrência entre as instituições financeiras; e o aprimoramento dos instrumentos de gestão de riscos das atividades agropecuárias, queremos que o produtor consiga acessar melhores condições de crédito, por ter um seguro que, de fato, proteja a sua renda e garanta a sua capacidade de pagamento.

Procampo – A reforma trabalhista trouxe consequências para todo o movimento sindical no Brasil. Como a CNA encara essa nova realidade junto ao produtor rural para demonstrar que vale a pena contribuir para o sistema?
Bruno Lucchi – A reforma trabalhista nos deu uma grande oportunidade de acelerar as mudanças necessárias ao sindicalismo patronal rural. O país vive um momento em que a população de maneira geral, tem demonstrado grande insatisfação com os parlamentares, governantes, membros do judiciário, entidades e instituições que os representam. Esse cenário tem tirado da zona de conforto todos aqueles que fazem um trabalho sério com intuito de dar melhores respostas para seus clientes.
O grande desafio que temos encontrado é o da comunicação. Precisamos nos comunicar melhor com os produtores. Muitas ações que são trabalhadas pelo Sistema não chegam as bases ou chegam de forma destorcida. Temos atuado para diversificar e massificar essa comunicação via redes sociais, programas de rádio e TV, boletins e eventos técnicos. Porém, de nada irá adiantar se o produtor não tiver interesse em buscar a informação.
O Sistema CNA vem preparando suas bases para gerar valor aos produtores rurais, prestando serviços relevantes e atuando como uma embaixada, à qual a classe produtora pode recorrer para sanar suas dificuldades cotidianas. Reconhecemos o engajamento propiciando experiências diferenciadas, que vão de Assistência Técnica e Gerencial à propriedade rural, passando pela ampla participação nas comissões nacionais que discutem o setor, até a participação no Bem+Agro, um programa de fidelidade que proporciona vantagens, benefícios e descontos específicos à classe.
Estamos construindo um novo sindicalismo, um sindicalismo de resultado. O produtor precisa enxergar valor nos serviços/produtos oferecidos pelo Sistema, assim como na sua representação. Como nosso presidente, Dr. João Martins, costuma dizer, temos que proporcionar um sindicalismo de vanguarda. Para que isso possa acontecer de forma mais rápida, precisamos do envolvimento dos produtores e do comprometimento das nossas lideranças, atuando cada vez mais conectados.

Entrevista publicada na 78ª edição da Revista Procampo (Mar/Abr 2019)

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