Nicholas Vital – Jornalista e autor do livro “Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo”

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Foto: Divulgação

O entrevistado desta edição da Revista Procampo é o jornalista Nicholas Vital, autor do livro “Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo”, que busca desmistificar as diferenças entre a produção convencional e a orgânica. O livro derruba mitos sobre a injustiçada química utilizada no campo. Fundamentais para o controle de pragas e doenças que durante séculos devastaram plantações e responsáveis pelo aumento na produtividade das lavouras, os agroquímicos foram vilanizados pelos adeptos da alimentação orgânica, passando a ser tratados como a fonte de todos os males. Fruto de uma apuração rigorosa, que inclui mais de cinquenta entrevistas e a pesquisa em dezenas de obras sobre o assunto, este livro exige que esqueçamos tudo o que já ouvimos sobre os agrotóxicos e façamos uma leitura sem preconceitos. Derrubando mitos como o de que o brasileiro “ingere 5,2 litros de pesticida por ano” ou de que nossas frutas e verduras estão contaminadas por substâncias venenosas. Saiba mais nesta entrevista especial.

Procampo – Por que devemos “agradecer aos agrotóxicos por estar vivo”?
Nicholas Vital –
Em nenhum momento defendo que a ingestão desses produtos faça bem à saúde. O ponto aqui é relacionado à segurança alimentar. Sem essas tecnologias a humanidade não teria se desenvolvido como observado nas últimas décadas. Até os anos 1960, a população mundial era de cerca de 2 bilhões de pessoas. Após a introdução dos defensivos – que garantiram maior produtividade e consequentemente maior disponibilidade de alimentos – a população cresceu de forma vertiginosa, atingindo pouco mais de 7 bilhões de pessoas hoje. A expectativa é que a população siga crescendo e atinja 10 bilhões de pessoas até 2050, de acordo com a Organização das Nações Unidas. Até 2100, a população mundial deve ultrapassar a marca de 11 bilhões de pessoas. Será que dá para alimentar toda essa gente apenas com orgânicos, cuja produtividade é comprovadamente menor? Sem uma defesa vegetal adequada, não teremos como alimentar tanta gente. Por isso devemos agradecer aos agrotóxicos por estar vivo.
Apesar do nome forte e polêmico, meu livro é muito ponderado. Eu não faço apologia ao uso indiscriminado (de agroquímicos) em nenhum momento e não tenho interesse em aumento de vendas. Meu objetivo é mostrar o outro lado de um debate que hoje só tem um lado: o do mercado de orgânicos, e que não reflete a realidade.

Procampo – Como e por que surgiu essa ideia para o livro?
Nicholas Vital –
A ideia surgiu do debate pouco equilibrado existente hoje. Celebridades sem qualquer conhecimento técnico sobre o assunto, muitas delas interessadas no segmento de orgânicos, criam um cenário de terror que não reflete a realidade. Criam um grande problema para “vender” a solução – pelo triplo do preço. O objetivo do livro é mostrar o outro lado da história, levando informação de qualidade, embasada em estudos acadêmicos e científicos e mais de 50 entrevistas com especialistas no assunto. Apesar do título polêmico, o conteúdo é muito ponderado, destacando também os riscos inerentes ao uso incorreto dos pesticidas. O intuito do livro é equilibrar o debate entre orgânicos e convencionais, dando um contraponto baseado na ciência e não em achismos, como vemos atualmente.

Procampo – Que dados e informações foram utilizados como base nesta publicação?
Nicholas Vital –
A apuração do livro foi muito rigorosa. Ao longo de dois anos, mais de 50 especialistas foram entrevistados e outras dezenas de estudos foram utilizados para embasar a minha teoria. Foram analisados dezenas de estudos científicos, materiais de instituições respeitadas, como Embrapa, Esalq-USP, IAC, além de artigos internacionais. Todas as informações citadas no livro possuem a fonte primária devidamente creditada. São mais de 30 páginas somente com referências bibliográficas. É importante lembrar que eu não sou médico toxicologista nem engenheiro agrônomo, por isso decidi procurar os principais especialistas no assunto. A realidade, aos olhos da ciência, é bem diferente do que é dito na televisão.

Procampo – Existe diferença nutricional entre alimentos cultivados de forma convencional para os orgânicos?
Nicholas Vital –
Não. Estudos internacionais mostram que não há qualquer diferença nutricional. Prova disso é que os orgânicos não trazem em seus rótulos qualquer informação do tipo. Se fosse algo comprovado, certamente esta informação estaria em destaque nos rótulos desses produtos. Em 2012, um grupo de pesquisadores da prestigiosa Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, divulgou uma revisão detalhada de 237 estudos comparativos entre alimentos orgânicos e convencionais publicados em todo o mundo nas últimas quatro décadas. A conclusão foi que, apesar de mais caros, os orgânicos não eram mais nutritivos nem mais seguros do que seus similares produzidos de forma convencional.

Procampo – A indústria dos orgânicos tem como produzir alimentos para 7,7 bilhões de pessoas?
Nicholas Vital –
De forma alguma. Existem produções orgânicas altamente produtivas, mas em pequenas áreas, produzindo em pequena escala. Em grandes áreas, o uso de pesticidas é fundamental. É preciso lembrar que a produção de orgânicos é, em média, 30% menor. Em um cenário de população crescente, não faz sentido fomentar um modelo de agricultura menos produtivo. O crescimento da demanda por produtos orgânicos demandaria mais áreas de plantio, o que fatalmente pressionaria as matas nativas. Não sou contra esse modelo, mas é preciso lembrar sempre que orgânicos são produtos de nicho, muito mais caros, que representam apenas 0,5% do mercado no Brasil. O país com maior participação de orgânicos no mercado é a Dinamarca, com 7% apenas do mercado. Isso mostra que é um produto de nicho. Esse discurso de que os orgânicos podem alimentar o mundo é muito bonito, mas é uma falácia. Todo mundo fala que o mercado de orgânicos cresce 30% ao ano, o que é verdade, mas é uma base tão pequena que qualquer crescimento é expressivo. Hoje o mercado de orgânicos representa R$ 2,5 bilhões no Brasil. Só em batata convencional produz R$ 5 bilhões.

Procampo – Na briga entre dois nichos de mercado tão diferentes, para que lado pendem os orgãos oficiais (Mapa, Anvisa, universidades etc)?
Nicholas Vital –
Os órgãos não deveriam pender para nenhum dos lados. Adotando as boas práticas agrícolas, tanto orgânicos quanto convencionais são saudáveis. O consumidor deve ter a opção de consumir o que quiser. No Governo, que tem o papel de fiscalização, já vemos um equilíbrio maior, apesar de o controle sobre alimentos orgânicos ser muito frágil, o que possibilita a falsificação de produtos. Nas universidades, com raras exceções, ainda existe muita ideologia pró-orgânicos causado pela desinformação.

Procampo – Então, a palavra-chave nessa briga é a desinformação. A indústria não se empenha em rebater as acusações feitas pelo grupo pró-orgânicos por quê?
Nicholas Vital –
A indústria foi, por muito tempo, reativa neste debate. Sofria com os ataques por parte dos detratores e raramente se posicionava, não rebatia as fake news com informações técnicas – apesar de tê-las. Hoje o cenário já é diferente. Vemos várias campanhas organizadas além de ações pontuais promovidas por empresas do setor. Mas o problema é que o setor está perdendo esse jogo por 5×0. Virar o jogo vai demandar muito trabalho.

Procampo – Os alimentos orgânicos são inofensivos por definição?
Nicholas Vital –
Não existe nada inofensivo. Já dizia Paracelso há mais de 500 anos: o que faz o veneno é a dose. Se você ingerir 10 litros de água – algo que sabidamente faz bem – você pode morrer. Com os orgânicos não é diferente. São produtos que se produzidos corretamente são seguros, assim, como os convencionais, mas se produzidos de forma incorreta podem levar a intoxicações, seja por coliformes fecais (presentes na adubação orgânica), seja pelos resíduos de químicos presentes nos biopesticidas, como enxofre, cobre, ureia etc. Ao contrário do que muitos pensam, orgânicos não são livres de químicos.

Procampo – O que te deixou mais surpreso durante a pesquisa para produção do livro?
Nicholas Vital –
Sem dúvida, a quantidade de mitos existentes sobre o assunto. Histórias que não fazem o menor sentido são aceitas pela imprensa e, consequentemente, pela população. Um exemplo é a história de que cada brasileiro ingere 5 litros de agrotóxicos por ano. Se isso fosse verdade, já estaríamos todos mortos. Trata-se de uma conta simplista, que divide a quantidade utilizada desses produtos no Brasil (usando ainda um número incorreto), pela população. Esquecem que 80% dos pesticidas são utilizados em apenas 4 culturas, todas não alimentícias – soja, milho, cana e algodão. Por essa lógica dos 5 litros, seria possível dizer que cada brasileiro fuma 400 cigarros – o que obviamente não traduz a realidade.

Procampo – Qual o futuro da agricultura, na sua visão?
Nicholas Vital –
O futuro é a agricultura cada vez mais tecnificada, o que garantirá uma oferta ainda maior de alimentos sem a necessidade de abertura de novas áreas de plantio. No Brasil temos mais de 50 milhões de hectares de pastagens degradadas que podem se transformar em áreas para cultivo de alimentos. Mas para isso será preciso investimentos para corrigir o solo, em sementes adaptadas e na defesa das lavouras. Também imagino um crescimento da produção em áreas urbanas, seja em fazendas verticais ou em terrenos ociosos. Seja convencional ou orgânica, a agricultura do futuro, sem dúvida, será hi-tech.

Entrevista publicada na 81ª edição da Revista Procampo (Set/Out 2019)

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