O papel do mel

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O mel extraído nos meliponários é processado e envasado para comercialização. Foto: Bruno Motta/Revista Procampo

Sustentabilidade, resgate cultural e preservação ambiental marcam o nascimento da primeira cooperativa indígena do Estado, que envolve a criação e produção de mel em 12 aldeias de Aracruz

Aracruz, Norte do Espírito Santo, é o único município capixaba que abriga índios no estado. Ao todo são 12 aldeias distribuídas entre as etnias Tupiniquim e Guarani, em um território com aproximadamente 18 mil hectares. Mas ao longo dos anos, com o desmatamento e o crescimento populacional em torno das aldeias, os povos indígenas foram perdendo parte do que era próprio de sua cultura e meios de subsistência.

Em 2012, apoiados pelo Programa de Sustentabilidade Tupiniquim e Guarani (PSTG), conjunto de ações desenvolvidas por uma empresa de celulose da região, em parceria com o Centro de Desenvolvimento do Agronegócio (Cedagro) e a Kambôas Socioambiental, os índios de Aracruz começaram o projeto de meliponicultura, atividade de criação de abelhas nativas sem ferrão da espécie Uruçu Amarela.

No início eram apenas três meliponários, hoje já são aproximadamente 50 famílias que juntas produziram em 2019, a colheita acontece nos meses de março e abril, 452 quilos de mel. A produção, batizada de Tupyguá, é comercializada em lojas de produtos orgânicos, Instituto Atá de São Paulo e restaurantes. Além do mel comercializam também o pólen e se preparam para beneficiar e vender a cera produzida pelas abelhas.

Na aldeia Irajá mora a família da Ana Aparecida Vieira, 47 anos, e o esposo Ronas Bonela de 54, eles participam do projeto desde início, e garantem que é uma ajuda e tanto do ponto de vista financeiro. “Para nós foi muito bom, é um produto a mais para gente vender além dos que sempre fizemos”, explica Ana. Este ano eles produziram 24 quilos de mel. Além das abelhas o casal também produz farinha e beiju.

O casal Ana e Ronas, da aldeia Irajá, mostram com orgulho os resultados do trabalho com a meliponicultura. Foto: Bruno Motta/Revista Procampo

O mel produzido é  silvestre, identificado nos três micros ecossistemas da região: Restinga, formado por vegetação de restinga, Capoeira, onde estão a maioria dos melipolinários, formado por mata de regeneração e Tabuleiro, originário do bioma original, a Mata Atlântica. A colheita é feita separadamente e a produção dos três territórios não é misturada.

Consultora de Desenvolvimento Social da Suzano, Claudia Cristina Belchior explica que os meliponicultores recebem material e capacitação para trabalhar com as abelhas, de maneira a reproduzi-las e produzir mel, pólen e agora, a cera. “Nossa atuação vai desde a assistência técnica para a formação das colmeias, manutenção e divisão destas colmeias, capacitação dos meliponicultores, apoio na comercialização e apoio na formação e gestão da cooperativa criada recentemente”, destaca Claudia.

Consultora de Desenvolvimento Social da Suzano, Claudia Cristina Belchior. Foto: Divulgação

Nasce a Coopyguá, primeira e única cooperativa indígena do ES

Em 2018 o programa também foi parceiro dos produtores de mel na formatação e criação da Cooperativa de Agricultores Indígenas de Aracruz (Coopyguá), primeira e única cooperativa de índios do Estado. Nas palavras do presidente da Coopyguá, Tiago Barros dos Santos, da etnia Tupiniquim, morador da aldeia Pau Brasil, a cooperativa é uma ferramenta de comercialização e organização.

“A ideia veio juntamente com as dificuldades de comercializar o mel, e vimos na cooperativa um meio para facilitar essa venda. Entendemos que a cooperativa é uma ferramenta para ajudar não só na comercialização dos produtos, mas também para ajudar na organização das comunidades, ressalta Tiago”. São 32 cooperados em todo território indígena.

O presidente da Coopyguá, Tiago Barros dos Santos, da etnia Tupiniquim, morador da aldeia Pau Brasil, realizando a colheita do mel. Foto: Bruno Motta/Revista Procampo

Inicialmente restrita a atividade do mel, produção mais organizada na época da criação da Coopyguá, o objetivo é que a Cooperativa possa abarcar as demais culturas do território como a produção agrícola de produtos como a farinha de mandioca e beijus e os artesanatos.

Cooperado, o índio Guarani Josias Carvalho Marinho, 32, da aldeia Nova Esperança, enumera o que para ele são benefícios da cooperativa. “A cooperativa vai fortalecer a produção de mel e a divulgação, muitos ainda não conhecem nosso mel. Vai melhorar para venda do artesanato, dos produtos da nossa agricultura, e de produtos nativos como a Aroeira que muitos também não conhecem”, frisa Josias.

Outro objetivo é a busca pela certificação de qualidade para os produtos, e a cooperativa, segundo o presidente, é uma facilitadora desse processo. “Queremos buscar um certificado para produção e agregar valor aos produtos das abelhas e a cooperativa é uma facilitadora desse processo, era algo necessário e vai nos dar um respaldo muito importante”, explica.

O cooperado Josias Carvalho Miranda, da aldeia Nova Esperança: “A cooperativa vai fortalecer a produção de mel e a divulgação, muitos ainda não conhecem nosso mel”. Foto: Arquivo pessoal

Tiago destaca que toda produção e atividade já são realizados pensando nesse objetivo. “É uma produção orgânica, todo processo de beneficiamento e armazenamento já é feito visando se adequar as exigências e condicionantes. para obtenção do certificado”, conclui.  A previsão é que até o final de 2019 o processo de certificação, junto aos órgãos certificadores, seja iniciado.

Antes de começar efetivamente a criação da cooperativa, os índios fizeram oficinas de cooperativismo e passaram por um trabalho de amadurecimento sobre o assunto. Além dos entes parceiros do programa de meliponicultura os produtores tiveram ainda o apoio do Serviço de Apoio as Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), na fundação da Coopyguá.

Para Claudia a cooperativa nasceu no momento certo. Ela fala da importância da iniciativa para autonomia dos índios. “O grupo ano após ano, foi se fortalecendo e ano passado estava maduro o suficiente para a formação da cooperativa. Avalio essa iniciativa como de suma importância pois a atividade tem em seu planejamento viabilizar  a autonomia deste grupo. A criação da cooperativa é mais um passo para isto”, salienta a consultora.

Resgate cultural e preservação ambiental

Se por um lado a criação das abelhas nativas é importante para sustentabilidade, por outro, revela a face ambiental e cultural do programa. Em 2012, quando tudo começou, a Uruçu Amarela estava em extinção e hoje já é possível encontrá-la novamente na natureza. “A atividade tem ligação direta com a preservação das espécies nativas da fauna e da flora. Essas abelhas já existiam, mas com o tempo e o desmatamento elas desapareceram. A Uruçu Amarela estava em processo de extinção, era muito difícil ver no meio ambiente, hoje essa realidade já é outra”, salienta Tiago. Além da criação das abelhas nos meliponários a partir do projeto as colmeias encontradas em situação de risco no meio ambiente são resgatadas.

A criação das abelhas nativas é importante para sustentabilidade. A atividade tem ligação direta com a preservação das espécies nativas da fauna e da flora. Foto: Bruno Motta/Revista Procampo

Com o cultivo das abelhas também foi possível fazer o resgate cultural de uma antiga tradição, a relação com as abelhas e a extração do mel. Ana conta que essa era uma atividade dos seus antepassados que só conhecia por meio das histórias contadas pelos mais velhos. “Estamos tendo oportunidade de resgatar parte de nossa história, nossos antepassados falavam dessas abelhas. Fico feliz com a possibilidade desse resgate da nossa história e da nossa cultura”, revela Ana.

Localização das aldeias indígenas de Aracruz. Divulgação

por Rosimeri Ronquetti – rronquetti@hotmail.com

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